sexta-feira, 29 de abril de 2005

 

Tipicamente Católico


O que diriam os responsáveis da Igreja Católica Apostólica Romana e o que diriam os mais reputados beatos portugueses - de João César das Neves a D. José Policarpo, passando por Bagão Félix - se de repente o Governo determinasse o ensino obrigatório - não facultativo, mas obrigatório - do Corão ou até (longe vá o agoiro!) do ateísmo?

Caía o Carmo e a Trindade!
No entanto, o fanatismo católico tem mantido toda esta gente calada, assim numa espécie de desonestidade intelectual, perante os autênticos escândalos que se têm vindo a passar em Espanha e em Timor.
Saudosos dos velhos tempos da Santa Inquisição, e agora com energia renovada, certamente encorajados pela subida a Papa do Inquisidor-mor, os responsáveis da ICAR não hesitam a incitar à desobediência civil a determinações de governos democráticos e legitimamente eleitos.

Em Espanha o cardeal Alfonso Lopez Trujillo apelou à objecção de consciência e à desobediência civil às leis do Estado por parte dos alcaides (autoridades responsáveis pelos casamentos civis naquele país), caso lhes fosse solicitada a celebração de um casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Vai daí, vem em auxílio de sua eminência o arcebispo emérito de Barcelona, Ricard María Carles, que resolveu comparar os alcaides que venham a celebrar casamentos homossexuais com os guardas do campo de concentração de Auschwitz.

Entretanto em Timor, o Governo do Primeiro-ministro Mari Alkatiri determinou que em 32 escolas do país, e a título experimental, o ensino da religião católica deixaria de ser uma disciplina obrigatória como até aqui, e passaria e ser facultativo e pago pela igreja.

E pronto: os dois bispos de Timor, D. Alberto Ricardo da Silva, de Díli, e D. Basílio do Nascimento, de Baucau, exigem agora a «imediata remoção» do Governo de Mari Alkatiri.
Como se não bastasse, organizaram manifestações de rua, e ameaçam conduzir a populaça numa marcha sobre o Palácio do Governo para o ocupar e, assim numa espécie de golpe de estado de inspiração divina, fazer derrubar o Primeiro-ministro pela força, caso este não recue nas suas intenções, e protegendo-se do cordão policial que protege o Palácio com rezas e terços e atrás de dezenas de imagens de Jesus Cristo e de Nossa Senhora.

Vai daí, vem em auxílio de tão piedosa gente o prémio Nobel da Paz, D. Ximenes Belo que, decerto pelas honrarias recebidas, deverá andar esquecido da guerra civil que assolou o seu país há 30 anos, não só resolveu apoiar todas as iniciativas dos seus colegas, como ainda exigiu a expulsão de Timor do jornalista da Lusa António Sampaio, que se atreveu (pasme-se!) a descrever a situação vivida naquele país e ainda a chamar-lhe (vejam lá!) conservador.

Como é óbvio, nada tenho contra aqueles que querem determinar a sua própria vida de acordo com a sua fé e os seus princípios filosóficos ou religiosos.

Mas não posso deixar de qualificar como a mais abjecta e vil baixeza de carácter, a atitude daqueles que querem impor aos outros as suas convicções, e pretendem determinar a vida alheia de acordo com as suas regras políticas, éticas ou morais e impor-lhes a sua religião.
Não recuando perante nada, mesmo quando bem sabem que é precisamente deste tipo de imposições que nascem as guerras e os conflitos entre os povos.

Principalmente aqueles que, ainda assim, num exercício sabujo e porco da autoridade espiritual que detêm sobre os seus obnubilados seguidores (os fiéis a quem o próprio Papa Ratzinger chama «pessoas simples»), não hesitam em atacar as autoridades e os governos legítimos dos países democráticos em que vivem.
Sim, porque nunca vi uma manifestação de bispos ou uma insurreição religiosa que ameaça ocupar o palácio de um Governo ser organizada pela Igreja Católica em Cuba ou na Coreia do Norte, ou até no Chile de Pinochet, na Espanha de Franco, no Portugal de Salazar ou... na Alemanha de Hitler...

Antes que me acusem de extremar posições, admito desde já: sim, há excepções.
Mas sejamos claros: são isso mesmo, são excepções!

Porque este persistente costume de querer fazer prevalecer os dogmas religiosos sobre a liberdade individual dos outros é, de facto, tipicamente católico!



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