domingo, 20 de março de 2005
Laços de Família
Quando entrou no meu gabinete, estudei-o discretamente:
Muito magro, quarenta e poucos anos, cabelo liso penteado para trás e muito pouco asseado.
O fato cinzento fora de moda e a camisa grande de mais no colarinho, já puída nas mangas, demonstravam uma origem modesta.
O ar tímido e a voz balbuciante revelavam a delicadeza do assunto que ali o trazia:
Os pais já tinham morrido há alguns anos. Tinham deixado de herança aos seis filhos uma palacete enorme nos arredores de Lisboa, e que precisava urgentemente de obras de conservação.
Os parcos recursos dos seis irmãos obrigava-os ainda a viver todos juntos no palacete herdado.
Os três mais velhos, já casados e com filhos, partilhavam o segundo andar e ainda parte do primeiro, com as respectivas famílias.
Os três irmãos mais novos, ele, um irmão e uma irmã, ocupavam cada um o seu quarto no primeiro andar.
Estava ali porque a irmã o tinha acusado de violação.
Foi talvez o meu ar atónito que o fez dizer-me apressadamente:
- Mas é tudo mentira, Sr. Dr.! É completamente mentira!
Tentei ocultar os meus mais recônditos pensamentos quando ele continuou:
- O que é verdade é que tive um caso com a minha irmã. Durante algum tempo mantivemos relações sexuais.
- Algum tempo? Quanto tempo? – Perguntei.
- Para aí uns dez anos – respondeu-me.
- E alguém soube? Alguém lá de casa se apercebeu?
- Bem... – hesitou na resposta – a bem dizer, eu acho que o meu irmão mais velho e a minha cunhada andavam desconfiados. Mas eu e a minha irmã sempre tomámos todos os cuidados para ninguém saber.
- Que cuidados?
- Só quando estavam todos a dormir é que eu ia ao quarto dela, ou ela ao meu.
- Ela também ia ao seu quarto, ou só o senhor é que ia ao quarto dela?
- A maior parte das vezes até era ela quem ia ao meu quarto. Às vezes eu já estava a dormir, e lá vinha ela de mansinho...
Interrompeu-se e olhou-me como que a pedir a minha solidariedade e compreensão:
- Como pode estar ela agora a fazer-me isto? A dizer que eu a violei?
Fiz-me desentendido:
- Então, se as relações sexuais que teve com a sua irmã foram sempre consensuais, como explica que a sua irmã ao fim deste tempo todo, ao fim de dez anos, o venha acusar agora de violação?
- Ciúmes, Sr. Dr.! É tudo por causa dos ciúmes!
- Ciúmes? – perguntei – Ciúmes de quem? E porquê?
- É que ela acabou tudo comigo, e tem agora um caso com o meu outro irmão!...