sexta-feira, 5 de novembro de 2004

 

A desproporção de valores

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Numa conversa recente com o Rodrigo, lembrei-me de um programa de televisão que vi num daqueles canais temáticos da TV Cabo (não me lembro qual), e que falava de percentagens de infecção com o vírus da SIDA em diversas zonas do planeta e da incrível taxa de propagação da doença nos países do sul de África.

De facto, há determinadas regiões de países africanos onde a percentagem de infecção das populações com SIDA atinge o espantoso e terrífico número de 90% !!!
Há mesmo aldeias prestes a verem a sua população completa e totalmente dizimada.

É uma pandemia de uma gravidade indescritível!
De tal modo, que as campanhas de alfabetização desenvolvidas por iniciativa governamental nas zona rurais mais isoladas estão a ser interrompidas porque não é possível formar professores para simplesmente substituir os que morreram já com SIDA.

Em conjunto com os governos desses países, algumas organizações internacionais têm procurado implementar diversas medidas que procuram travar a altíssima taxa de propagação da doença, desde campanhas de informação a distribuições maciças e gratuitas de preservativos.
De imediato, as estatísticas começaram a demonstrar que as taxas de infecção começavam sensivelmente a descer, principalmente nas zonas onde se tinha constatado uma maior penetração das políticas de sensibilização governamentais e internacionais.

Ia tudo muito bem quando, de súbito, aparecem em cena as autoridades da Igreja Católica Apostólica Romana: sob as instruções directas das mais altas hierarquias da Igreja e em pia obediência à Encíclica Papal que se debruçou sobre o tema, todas as igrejas locais desses países iniciaram um campanha contra o uso do preservativo, por questões de «ordem moral e dogmática».
Logo secundada, diga-se de passagem, pela Igreja Ortodoxa, num “carneirismo” absolutamente típico.

Por incrível que pareça, quando confrontados com a eventualidade da propagação da doença, responsáveis religiosos chegam mesmo a proclamar como slogan anti-preservativo: «quem procura o bónus, deve aceitar o ónus».
Absolutamente edificante!

Nesse programa televisivo que vi, prestou declarações um eminente Bispo africano que pomposa e orgulhosamente informou que tinha pessoalmente organizado uma “simbólica queima generalizada” de milhares de preservativos que tinham sido distribuídos gratuitamente à população pela Organização Mundial de Saúde.

Paralelamente, vinda directamente do Vaticano, foi iniciada uma campanha de descredibilização da própria eficácia do preservativo: proclamaram os doutores da Igreja que aquele demoníaco instrumento do mal é “poroso” e, por isso, deixa passar o vírus.
Como se um preservativo poroso fosse mais perigoso que preservativo nenhum, e ainda que as autoridades médicas das Nações Unidas neguem e demonstrem cientificamente a barbaridade deste completo disparate, o Vaticano continua a persistir nas suas afirmações e a banir o preservativo porque, afirma, ele «promove a promiscuidade», defendo que a melhor protecção contra a SIDA é… a castidade…

Mas, o que é facto, é que nas zonas onde desta vez se mostraram mais eficazes as campanhas da Santa Madre Igreja, cedo as estatísticas começaram a demonstrar que, com incidência mais significativa nos adolescentes com idades compreendidas entre os 16 e os 19 anos, a percentagem de infecção da doença tinha voltado a subir!

Pergunto agora: quantas pessoas morreram já por causa disto?
Quantas pessoas vão ainda morrer???
Isto é absolutamente inaceitável!

Ainda que tivesse morrido UMA SÓ pessoa por causa deste abjecto fanatismo religioso, que obedece cegamente a uma Encíclica Papal, isso já bastaria para qualificar como CRIMINOSOS não só o autor da porcaria da encíclica, como também todos aqueles que a têm vindo a implementar!!!

E tudo isto em nome de quê?
De Deus?
Dos deuses inventados por Constantino em 325 d.C. no Concílio de Niceia???

Perdoem-me a minha indignação: mas quem poderá concordar com este autêntico morticínio de incontáveis vidas humanas (ainda que fosse SÓ UMA) que, ainda neste preciso momento, estão a ser sacrificadas em nome de um qualquer postulado, formulado por um velho enfermo e caduco?

Quando está em causa a VIDA HUMANA, que raio de desproporção de valores é esta?



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