segunda-feira, 25 de outubro de 2004
O Sr. Procurador
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Ainda que sem sequer descer aos casos individuais dos arguidos e às particularidades, às incongruências e às contradições de cada um deles, as maiores perplexidades que no seu conjunto o “Caso Casa Pia” me provoca, e penso que também à maioria das pessoas, são as seguintes:
Se é certo que houve centenas de crianças abusadas e violadas – e isso é um facto – então onde estão os abusadores e os violadores?
Ou será que os miúdos – e centenas foram identificados – foram todos violados somente pela meia dúzia dos arguidos deste processo?
Então, que tipo de doentia e frenética – e ao mesmo tempo clandestina – actividade sexual teriam assim os arguidos de ter tido para, sozinhos, terem sido tão profícuos no impressionante número de crianças abusadas?
Ou, pelo contrário, muitos outros abusadores e violadores haverá que escaparam incólumes e impunes ao crivo e à malha investigatória?
Quem serão então essas pessoas?
Será que os investigadores procuraram de forma sistemática, eficaz e competente esses eventuais outros violadores?
Será, pois, que devemos ter confiança na competência profissional de quem interveio no processo, em todas as suas múltiplas fases, dos agentes da judiciária, aos procuradores do Ministério Público e até aos juizes, quer de instrução quer do Tribunal da Relação?
Então, que tipo de investigação policial e jurisdicional foi feita?
Que confiança podemos ter nela?
Eis então que o próprio Procurador Geral da República, Souto Moura, nos responde muito claramente a todas estas perguntas, na entrevista que deu ao “Expresso” e de que, a propósito do célebre álbum de fotografias de personalidades junto ao processo, cito a seguinte passagem:
«S.M. - A explicação é que havia nesse álbum fotografias de pessoas que eram suspeitas, de pessoas que não se sabia se estavam ou não implicadas e também de pessoas que, para quem pôs lá as fotografias, estavam acima de qualquer suspeita e que não se pensava poderem vir a ser reconhecidas por quem quer que fosse. Isto corresponde a um método, que a polícia utiliza, para aferir a credibilidade dos reconhecimentos. Se há um miúdo que aponta uma determinada fotografia e também aponta outra ao lado em relação à qual não há o mínimo indício ou suspeita, é evidente que a indicação que esse miúdo faz da primeira pessoa fica abalada ».
Isto é absolutamente notável!!!
E é completamente inacreditável!!!
Quer isto dizer que as pessoas que eram suspeitas, as pessoas que eram completamente insuspeitas e as pessoas que eram, digamos, “assim-assim” estavam já previamente determinadas e assim “catalogadas” pelo Ministério Público e pela Polícia Judiciária antes mesmo dos interrogatórios das vítimas.
Ou seja, isto que dizer que os interrogatórios das vítimas somente serviram para confirmar ou infirmar aquilo que os investigadores já antes haviam decidido passar pelo crivo do reconhecimento das crianças segundo um critério absolutamente aleatório.
E que acabava por correr o risco de configurar uma verdadeira “indução de reconhecimento” por parte das crianças, desejosas de satisfazer os interrogadores, ou até, como uma vez sugeriu Catalina Pestana, estimuladas pelos futuros pedidos de indemnizações civis que poderiam vir a ser exigidos das pessoas com fama de ricas que viessem a ser positivamente identificadas.
E quer isto dizer que a identificação dos suspeitos não foi feita de um modo processualmente válido e eficaz, numa linha de identificação que até os realizadores de filmes policiais baratos sabem como se faz, mas através da exibição de fotografias tiradas ao acaso de revistas, de jornais, de sites da Internet, etc., "assim a ver o que é que dá", numa espécie de totoloto infernal, onde até a cada um de nós poderia ter saído o “jackpot”.
E quer isto dizer que, até por mero e simples acaso, por um bambúrrio de sorte, poderá nem sequer ter saído a taluda premiada das fotografias sujeitas a identificação das crianças a quem bem poderia ser verdadeiramente culpado de violações.
A muitos culpados, se olharmos ao número de crianças violadas.
Quer também isto dizer que, como diz Souto Moura, se um miúdo apontou uma determinada fotografia de uma pessoa, o “beneficiado” com o totoloto dessa identificação ficou dependente de ser ou não constituído arguido e de ser ou não acusado, do facto de a criança ter também apontado ou não um “insuspeito” assim previamente determinado e definido, por um critério absolutamente desconhecido.
O meu desgosto no meio de isto tudo é que tenho a nítida sensação – penso que toda a gente a tem – que haverá por aí dezenas, centenas até, de pedófilos, de inqualificáveis monstros capazes do mais bárbaro e abjecto de todos os crimes, que se passeiam incólumes e por nós se cruzam diariamente numa chocante impunidade, quem sabe se planeando uma nova violação, que destruirá mais uma vida, mais uma criança.
Mas uma coisa é certa:
O Procurador Geral da República Souta Moura avocou o processo do caso “Casa Pia” para a sua esfera de competência e responsabilidade.
Souto Moura é, pois, política e institucionalmente responsável pelo processo e pelo seu desfecho.
Pelo seu sucesso ou pelo seu insucesso.
Vamos então esperar para ver.
E entretanto, enquanto tudo isto não esclarece definitivamente, e exista ou não a “cabala” de que agora se diz ser alvo, talvez Souto Moura devesse fazer ainda outra coisa urgentemente: era estar calado!
Ainda que sem sequer descer aos casos individuais dos arguidos e às particularidades, às incongruências e às contradições de cada um deles, as maiores perplexidades que no seu conjunto o “Caso Casa Pia” me provoca, e penso que também à maioria das pessoas, são as seguintes:
Se é certo que houve centenas de crianças abusadas e violadas – e isso é um facto – então onde estão os abusadores e os violadores?
Ou será que os miúdos – e centenas foram identificados – foram todos violados somente pela meia dúzia dos arguidos deste processo?
Então, que tipo de doentia e frenética – e ao mesmo tempo clandestina – actividade sexual teriam assim os arguidos de ter tido para, sozinhos, terem sido tão profícuos no impressionante número de crianças abusadas?
Ou, pelo contrário, muitos outros abusadores e violadores haverá que escaparam incólumes e impunes ao crivo e à malha investigatória?
Quem serão então essas pessoas?
Será que os investigadores procuraram de forma sistemática, eficaz e competente esses eventuais outros violadores?
Será, pois, que devemos ter confiança na competência profissional de quem interveio no processo, em todas as suas múltiplas fases, dos agentes da judiciária, aos procuradores do Ministério Público e até aos juizes, quer de instrução quer do Tribunal da Relação?
Então, que tipo de investigação policial e jurisdicional foi feita?
Que confiança podemos ter nela?
Eis então que o próprio Procurador Geral da República, Souto Moura, nos responde muito claramente a todas estas perguntas, na entrevista que deu ao “Expresso” e de que, a propósito do célebre álbum de fotografias de personalidades junto ao processo, cito a seguinte passagem:
«S.M. - A explicação é que havia nesse álbum fotografias de pessoas que eram suspeitas, de pessoas que não se sabia se estavam ou não implicadas e também de pessoas que, para quem pôs lá as fotografias, estavam acima de qualquer suspeita e que não se pensava poderem vir a ser reconhecidas por quem quer que fosse. Isto corresponde a um método, que a polícia utiliza, para aferir a credibilidade dos reconhecimentos. Se há um miúdo que aponta uma determinada fotografia e também aponta outra ao lado em relação à qual não há o mínimo indício ou suspeita, é evidente que a indicação que esse miúdo faz da primeira pessoa fica abalada ».
Isto é absolutamente notável!!!
E é completamente inacreditável!!!
Quer isto dizer que as pessoas que eram suspeitas, as pessoas que eram completamente insuspeitas e as pessoas que eram, digamos, “assim-assim” estavam já previamente determinadas e assim “catalogadas” pelo Ministério Público e pela Polícia Judiciária antes mesmo dos interrogatórios das vítimas.
Ou seja, isto que dizer que os interrogatórios das vítimas somente serviram para confirmar ou infirmar aquilo que os investigadores já antes haviam decidido passar pelo crivo do reconhecimento das crianças segundo um critério absolutamente aleatório.
E que acabava por correr o risco de configurar uma verdadeira “indução de reconhecimento” por parte das crianças, desejosas de satisfazer os interrogadores, ou até, como uma vez sugeriu Catalina Pestana, estimuladas pelos futuros pedidos de indemnizações civis que poderiam vir a ser exigidos das pessoas com fama de ricas que viessem a ser positivamente identificadas.
E quer isto dizer que a identificação dos suspeitos não foi feita de um modo processualmente válido e eficaz, numa linha de identificação que até os realizadores de filmes policiais baratos sabem como se faz, mas através da exibição de fotografias tiradas ao acaso de revistas, de jornais, de sites da Internet, etc., "assim a ver o que é que dá", numa espécie de totoloto infernal, onde até a cada um de nós poderia ter saído o “jackpot”.
E quer isto dizer que, até por mero e simples acaso, por um bambúrrio de sorte, poderá nem sequer ter saído a taluda premiada das fotografias sujeitas a identificação das crianças a quem bem poderia ser verdadeiramente culpado de violações.
A muitos culpados, se olharmos ao número de crianças violadas.
Quer também isto dizer que, como diz Souto Moura, se um miúdo apontou uma determinada fotografia de uma pessoa, o “beneficiado” com o totoloto dessa identificação ficou dependente de ser ou não constituído arguido e de ser ou não acusado, do facto de a criança ter também apontado ou não um “insuspeito” assim previamente determinado e definido, por um critério absolutamente desconhecido.
O meu desgosto no meio de isto tudo é que tenho a nítida sensação – penso que toda a gente a tem – que haverá por aí dezenas, centenas até, de pedófilos, de inqualificáveis monstros capazes do mais bárbaro e abjecto de todos os crimes, que se passeiam incólumes e por nós se cruzam diariamente numa chocante impunidade, quem sabe se planeando uma nova violação, que destruirá mais uma vida, mais uma criança.
Mas uma coisa é certa:
O Procurador Geral da República Souta Moura avocou o processo do caso “Casa Pia” para a sua esfera de competência e responsabilidade.
Souto Moura é, pois, política e institucionalmente responsável pelo processo e pelo seu desfecho.
Pelo seu sucesso ou pelo seu insucesso.
Vamos então esperar para ver.
E entretanto, enquanto tudo isto não esclarece definitivamente, e exista ou não a “cabala” de que agora se diz ser alvo, talvez Souto Moura devesse fazer ainda outra coisa urgentemente: era estar calado!